segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

A cartomante





Desatinada pra saber o futuro, e desacreditada da sorte, foi ela em busca de alguém que lhe contasse o destino.
Indicação de uma amiga de uma amiga disse que essa era porreta,  lá foi ela em busca de uma verdade pra chamar de sua.
A casa simples onde ela entrou, não parecia promissora o suficiente para alguém que prevê futuros brilhantes. Será que a cartomante já tinha previsto que seu futuro seria fadado aquela simples casa caindo aos pedaços?

Resolveu guardar o preconceito na bolsa, junto com o papel onde estava anotado o endereço, e lembrou-se de ser o mais vaga possível em suas colocações. Afinal, a gente sempre quer testar o quão vidente uma pessoa pode ser.

Sentou-se em frente a mulher, que obviamente tinha um olhar lunático e perdido, e um cigarro fedido em suas mãos. Não era, mas poderia ser a cena de qualquer filme ou novela, ou até mesmo um conto do Nelson Rodrigues.

Quando a cartomante olhou para ela pela primeira vez disse:

_ O que voce veio buscar aqui?

Ela engoliu seco, e pensando o que diabos estava fazendo ali, respondeu:

_ Eu não sei.

Foi então que ela achou que a cartomante ia mandá-la embora. Mas não. Ela voltou o seu olhar languido para o teto e pediu:

_ Corte o baralho.


E assim ela fez. As cartas foram virando na mesa.
A cartomante friamente ia fazendo caras e bocas, como se não soubesse muito bem o que estava fazendo. E ela tremia a cada suspiro da outra, achando que o pior ainda estava por vir.

A cartomante então disse:

- Vejo filhos em seu futuro..

Após uma longa pausa, ela reuniu coragem e perguntou:

- E o que mais?


A cartomante respondeu seca:

- Mais nada!


A vontade dela foi de levantar e jogar todo aquele baralho velho no chão.
Chutar a mesa, bater na cartomante, gritar a plenos pulmões..
Mas a única coisa que conseguiu fazer foi concordar com a cabeça docilmente..

A cartomante riu com o canto da boca e disse em tom suave, como se tivesse virado outra pessoa:

_ Na verdade minha filha, eu vejo a mesma coisa todos os dias.
Mulheres e homens que querem saber subitamente de seu destino. Querendo que eu revele mais do que eles precisam saber.
E ao longo do tempo, percebi que só trago mais incerteza e indecisão para a cabeça dessas criaturas.
Se digo algo bom, subitamente eles perguntam se algo ruim vai acontecer.
Se digo algo ruim, eles negam..e dizem que eu não sei do que estou falando.Então, decidi que agora só revelo o que acho que tenho que revelar.
Voce terá filhos..ponto.
Não sei quando, nem sei se voce já tem, nem se quer ter..
Não me interessa..
Se voce não quiser pagar, isso não seria a primeira vez nem será a última.
Mas se eu puder te dar o conselho, aqui vai ele: Deixa o futuro pra mais tarde.

Voce não será mais ou menos feliz se souber disso agora.


E foi então que ela se sentiu segura, pela primeira vez desde que havia entrado naquela casa. Começou a reparar e viu fotos de pessoas pela casa, viu que apesar do cigarro, a mulher mantinha um semblante sereno.
O olhar perdido na verdade mirava um quadro com algumas pessoas, e ela então entendeu.

Entendeu que o futuro era feito de escolhas, e que as escolhas estão no agora, e também no passado. Entendeu que ela tinha se tornado aquilo que podia e que deveria e que nem um fato estrondoso podia mudar o que ela já tinha vivido.
Era o futuro..tenebroso como ele só, a esperar.

Agradeceu pela consulta e pagou. Pagou pelo insight, pela conversa e pelo aprendizado.


Pensou em ter filhos, em não te-los, em marcar uma hora com o ginecologista. Mas aí, tomou um café na padaria da esquina e deixou que a sua versão do futuro cuidasse desse tratado.


Ouvindo_Linha do Equador_Caetano Veloso

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